sábado, 17 de novembro de 2007

Ao amigo poeta de Fermelã

Antes de o poeta ler o texto que lhe dedico e para que pense um pouco naquilo que diz ou faz, nas criticas dos seus conterranos deixo-lhe esta imagem que lhe trouxe de França.
Pode ser que com um pouco de neve lhe refresque as ideias.
Não sabia que na Suíça não se podia urinar de pé depois das 22 horas, talvez tenha de fazer como o amigo, sentar-me ou levantar uma perna.



O fato de haver uma produção poética “ainda sendo feita”, um gesto, por assim dizer, “em tempo real”, ou que não se estabeleceu, não justifica o silêncio nem a esquiva crítica entre-dentes a seu respeito.
Em outras palavras, insiste-se na alegação de que devido a essa sua condição de fenómeno in progress, a poesia actual acabaria por impor um óbice à tarefa crítica, visto que, por definição, esta actividade teria a função de regular e julgar, calcada sobre certa estabilidade de valores, apenas aquele objecto cuja trajectória pudesse ser abarcada desde o ponto-zero do seu impulso, passando por suas correcções de rota e chegando até o seu provável termo de repouso. Portanto, uma experiência tão fugidia talvez não permitira a prospecção judicativa de seu conjunto.
Por causa de sua base larga; sua radicalidade que atinge os antros da terra; suas ferramentas argênteas, a crítica se mostraria, supostamente, sem condições de perscrutar semelhante alvo em movimento, esse ser transitório. Vantajosa inadequação da crítica! O mundo é leviano demais para a sua lerdeza magnânima. Mas, o crítico deveria se sentir implicado nas imposturas e nos dilemas que denuncia.
Portanto, a poesia contemporânea, como fenómeno inconcluso, filha e protagonista de um presente contínuo, não estaria em situação de ser mapeada “cabalmente”, pois como coisa viva, algo de sua efemeridade escaparia pelas beiradas do escalpelo crítico consagrado. No entanto, há aí um problema de distorção. Parece estar-se exigindo, para o caso, uma crítica monumental, que capturasse o mundo e o tempo conhecidos. Mas, o fazer, o saber e o julgar inextrincáveis à actividade crítica, devem ser colocados numa perspectiva provisória, menor. Crítica é leitura; uma forma de interpretação ou de abordagem. Isto nos faz supor que sua actividade também se relaciona ao possível, ao impermanente das parcialidades do sujeito. Portanto, a leitura, ou a crítica, condizente com a poesia contemporânea, deve ser, tal como ela, uma coisa em construção, ainda não canónica e não canonizada. Sequência de interpretações e uma constante confrontação entre elas. Uma crítica, por assim dizer, “camara-na-mão”. Leitura interessada, severa e experimental embrenhada na nervura da dissensão.
Ao almejarmos e super estimarmos uma crítica totalizadora que “de fato” venha a dizer, quem sabe um dia, aquilo que queremos ou necessitamos ouvir acerca da produção poética actual, acabamos também reservando um espaço excessivamente pernóstico, cheio de dedos, para os deslocamentos desta mesma poesia perante a nossa recepção.
Às vezes fala-se a propósito da poesia contemporânea nos termos de que tratar-se-ia de uma experiência capaz de provocar um estranhamento e um incómodo em determinadas zonas da audiência similares àqueles causados, por exemplo, pela arte contemporânea. Isto é um absurdo. A produção poética de agora-agora passa longe de qualquer gesto iconoclasta, não põe em cheque os próprios limites, não tem sequer a ousadia da frivolidade que, diga-se de passagem, sobra à anti-arte. Então, por quê reivindicar para ela um discurso crítico sobrenatural, que fale a língua do “meu tio iauaretê”, na presunção de glosa-la eruditamente e de uma vez por todas?
Desde a realidade insossa das manifestações poéticas actuais, talvez se possa arrancar uma resposta cínica para o caso: a expectativa ansiosa pelo advento dessa crítica-para-acabar-com-todas-as-críticas, que faça justiça à pretendida originalidade da poesia actual, não passa de uma tentativa de niquelar a irritante normalidade e eficiência dessa mesma poesia por meio da chantagem culta de um meta discurso que assomaria para pôr as coisas em ordem, problematizando uma farsa com outra.

3 comentários:

Nem imaginas disse...

caro poeta, fiz questão de publicar este post minutos depois de chegar a nossa santa terrinha, pois acho que tambem tem de ser chamado a razão de vez em quando.
Num ou outro momento quando temos alguém que demonstra ou faz-nos ver que as vezes criticamos demais ou vamos longe demais.

Phiona disse...

o teu layout é bem giro. bom gosto, mt bem...

Nem imaginas disse...

seja bem vinda cara fiona,

brigada pelo seu comentario.